Muitos poetas seriam capazes de dizer: só canto o que há em minha
frente. Bem poucos perguntariam: Mas o que vejo em minha frente? Estarei
vendo alguma coisa? Por que eu serei obrigado a cantar semelhante nada?
(…) E poderá haver alguma coisa dentro de nós, se fora já tudo deixou de existir?
(…) Não será pouco ter apenas Deus por testemunha? E, nesse caso, que destino restará aos pavões?
(…) Na terra o pasto é tão vasto, e o capim tão redentor.
(…) Quem um dia já pastou, saberá lidar com aqueles que não pastaram
ainda. Pastai, meus irmãos. Nunca o pasto foi tão vasto. E ainda nos
resta uma grande tragédia: a de ter perdido até hoje tanto tempo.
(Ângelo Monteiro, O ignorado, IX, pp. 75-77)
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Que terá a ver o solidarismo do Poeta, em sua alegria nupcial pelas
coisas, com um cerrar desfibrado de fileiras em manadas tangidas pelos
ventos auspiciosos do mais imediato dos instantes? (Ângelo Monteiro, O
ignorado, X, p. 81)
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O que está muitas vezes por trás da carícia, senão um desejo de
prender, para depois deixar perdido? O que se esconde por trás de cada
bondade, senão o cinismo de um plano: o de criar em nós a memória de que
algo de bom se nos deu, ou de que o Bem habitou, por alguns momentos, o
subterrâneo de nossas vidas?
Não seremos só vítimas das armadilhas do Mal, mas vítimas ao mesmo
tempo de um plano do Mal sob as aparências do Bem. O pretenso Bem é
muito mais sinistro, em seus disfarces, que o escancarado e franco
domínio do Mal. Pois o Mal dificilmente enganará aqueles que não querem
ser enganados por ele. O Bem, sob as aparências do Mal, muitos podem
conhecer, porém o Mal, sob as aparências do Bem, poucos na realidade o
conhecem; e, por poucos o conhecerem, a estes se dirige, na maioria das
vezes, sua oferta mais tentadora e mais enganosa; a promessa do Paraíso
por parte do Demônio vestido de Anjo, ou do Mal disfarçado de Bem.
Conheço até aqueles que envenenam os próprios amigos: que, primeiro,
lhes oferecem uma festa, beijam-lhes o rosto, conseguem entretê-los
durante toda a noite com jogos e cantigas e, finalmente, os introduzem
num carro, de volta à casa, com o veneno destilado, no último brinde,
para lhes atuar no sangue pela manhã. Os amigos dormirão confiantes e,
quando acordarem, despertarão já na beatitude de outro mundo. (…) (Ângelo Monteiro, O ignorado, V, pp. 53-54)
***
O verdadeiro amor sofre por não poder mais. (…) A confiança, por
maior que seja, é sempre pouca para o seu ofício. E a dúvida, por mais
ameaçadora, apenas lhe distende as veias para a permanente recapitulação
do encontro. Unir para encontrar, ou perder para descobrir, é o seu
encanto e a sua missão. (…) É santa a mão que crê e sustenta a outra que
sucumbe na dúvida. Mas também é santa a mão que duvida, pois esta,
talvez mais do que a outra, deseja crer. É santa a mão que aceita. Mas
também é santa aquela que rejeita. Porque quem rejeita, quer receber de
novo. (Ângelo Monteiro, O ignorado, IV, pp. 48-49)
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(…) Quem for capaz de manter a promessa será o Amigo. O Amigo se
manterá vigilante, de olhos claros para as armadilhas, terá ouvidos
perfeitos, jamais cairá na degradação de perder sua gentileza em ouvir,
em perseverar, em compreender, em admoestar, será inquisidor permanente
de tudo e me confirmará na Promessa. O Amigo sustentará minha mão para
impedir minha fraqueza: porque para o Amigo a pior coisa será explorar o
que houver de fraco em minha natureza ou me conservar fraco para, dessa
forma, me destruir. (Ângelo Monteiro, O ignorado, II, pp. 37-38)
***
(…) O amor, ao nos ajudar a ser mais o que sempre fomos,
aprofunda-nos na direção mais misteriosa e mais preservada de nosso
próprio caminho? Penetra em selvas e, sem medo, desce aos mais
entranhados subterrâneos? Atravessa os infernos antes de ir em demanda
da Luz? Amor que não desce aos infernos ainda pode ser chamado de amor?
Ai, ele ultrapassa as sendas mais tortuosas e desencontradas para
finalmente atingir o Outro. Ele será sempre a busca de um horizonte que
voa. Não é apenas anjo apaziguador, mas insaciável verdugo de si mesmo. O
verdadeiro amor sofre por não poder mais. (Ângelo Monteiro, O ignorado,
IV, pp. 47-48)
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(…) Essa capacidade dele se fazer como que invisível, não será uma
forma de escapar ser um dia redutível a qualquer padrão? (Ângelo
Monteiro, O ignorado, I, p. 33)
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(…) Ah! O altar da Mãe é também o altar do Verbo. Porque nele cresce e
se debate o desespero – ainda que prenhe da mais dolorosa esperança –
da chama dessa vela que ora morre, ora revive: nossa alma revolta e
transviada que deseja se fundir em algo melhor do que ela mesma, em sua
necessidade, em sua culpa, em sua dor, em sua permanentemente frustrada
aventura de alegria. (Ângelo Monteiro, O ignorado, III, pp. 43-44
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Onde encontrar a Mãe para nela, no seio dela, ser Menino Deus? Onde
encontrar a Mãe para nela afundar nossa angústia das raízes por nós
perdidas antes mesmo de sermos e de nos destroçarmos entre as arestas
dessa indesejada existência? Onde encontrar a Mãe para nela morrermos, a
mãe redescoberta na menina que se fez serva para ser novamente mãe do
Menino recuperado? (Ângelo Monteiro, O ignorado, III, p. 44)
***
(…) O amor, ao nos ajudar a ser mais o que sempre fomos,
aprofunda-nos na direção mais misteriosa e mais preservada de nosso
próprio caminho? Penetra em selvas e, sem medo, desce aos mais
entranhados subterrâneos? Atravessa os infernos antes de ir em demanda
da Luz? Amor que não desce aos infernos ainda pode ser chamado de amor?
Ai, ele ultrapassa as sendas mais tortuosas e desencontradas para
finalmente atingir o Outro. Ele será sempre a busca de um horizonte que
voa. Não é apenas anjo apaziguador, mas insaciável verdugo de si mesmo. O
verdadeiro amor sofre por não poder mais. (Ângelo Monteiro, O ignorado,
IV, pp. 47-48)
***
(…) Quem for capaz de manter a promessa será o Amigo. O Amigo se
manterá vigilante, de olhos claros para as armadilhas, terá ouvidos
perfeitos, jamais cairá na degradação de perder sua gentileza em ouvir,
em perseverar, em compreender, em admoestar, será inquisidor permanente
de tudo e me confirmará na Promessa. O Amigo sustentará minha mão para
impedir minha fraqueza: porque para o Amigo a pior coisa será explorar o
que houver de fraco em minha natureza ou me conservar fraco para, dessa
forma, me destruir. (Ângelo Monteiro, O ignorado, II, pp. 37-38)
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O caminho do Homem para Deus deve ser o mesmo do homem para o Homem. (Ângelo Monteiro, O ignorado, III, p. 43)
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Se o circo é a nossa única esperança, o que fazer da esperança? E se
os palhaços já se cansaram de uma platéia resignada às mesmas graças de
que eles já se sentem saturados, que fazer com o próprio circo? (Ângelo
Monteiro, O ignorado, I, p. 34)
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Há homens que vivem no medíocre como na mais plena das beatitudes. Eu
não sou um desses homens. (Ângelo Monteiro, O ignorado, VIII, p. 71)
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A volta à origem. De onde tudo permanece vindo. Como no princípio das
histórias de fadas: era uma vez. Onde o era, mais do que lembrança, se
torna recapitulação do ser. Assim também o fim das histórias de fadas: E
foi ou foram felizes durante muitos e muitos anos. Onde o foi ou foram,
mais do que conclusão, é remate do eterno, é felicidade que não conhece
duração, é corolário da busca ou do começo. Depois do era uma vez, um
foi que persistirá sendo o desdobramento do aceno em que tudo começou ou
era. (Ângelo Monteiro, O ignorado, VII, p. 63)
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Antes a era da criação; hoje a da criatividade. Aos gênios sucederam
os contorcionistas e os macacos. E ainda há quem pregue igualitarismos
torpes para envilecer os homens além do que já foi dado conseguir.
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Ninguém achará sua rainha sem que seja, antes de tudo, rei. Quem
passa adormecido diante de sua rainha, sem a descobrir, ou
descobrindo-a, não a reconhece, perdeu-se a si mesmo. Porém se, ao
descobri-la, reconhecê-la e, reconhecendo-a, a coroar, terá seu reino
multiplicado e a sua coroa tão luzente como no templo das origens.
(…) É ao mesmo tempo fácil e difícil o grande amor. Fácil porque ele
se reconhece logo. Embora difícil seja o caminho para se chegar a ele.
Sem pureza jamais se poderá ter dele uma visão, e sim apenas uma
miragem: porque de miragens é que se povoam os desertos, mais do que de
oásis. (Ângelo Monteiro, O ignorado, VI, pp. 58-59)
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Por que essa dialética, jamais apaziguadora, entre o homem e as
exigências do Ignorado? Onde as nascentes desses rituais de holocausto
eterno em que perpetuamente somos imolados, sem sabermos jamais o porquê
dessa imolação? Qual seria o nosso verdadeiro nome depois de
renascermos e nos perdermos em suas águas? Qual seria o verdadeiro nome
da sua beleza, após a termos contemplado em sua nudez? Quem subiu até
hoje desse mergulho? Quantos, ai, quantos ainda por ela se afogarão?
(Ângelo Monteiro, O ignorado, XV, p. 104)
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Há homens que vivem no medíocre como na mais plena das beatitudes. Eu
não sou um desses homens. (Ângelo Monteiro, O ignorado, VIII, p. 71)
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As coisas parecem condenadas à carência, à debilidade, à pobreza, à
ausência de plenitude, porque a vontade assim o quer, ou porque ela
abdicou de ser vontade para, nessa negação, eliminar qualquer resquício
de grandeza que possa ainda subsistir no humano? (Ângelo Monteiro, O
ignorado, XIII, p. 95)
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(…) O amor, ao nos ajudar a ser mais o que sempre fomos,
aprofunda-nos na direção mais misteriosa e mais preservada de nosso
próprio caminho? Penetra em selvas e, sem medo, desce aos mais
entranhados subterrâneos? Atravessa os infernos antes de ir em demanda
da Luz? Amor que não desce aos infernos ainda pode ser chamado de amor?
Ai, ele ultrapassa as sendas mais tortuosas e desencontradas para
finalmente atingir o Outro. Ele será sempre a busca de um horizonte que
voa. Não é apenas anjo apaziguador, mas insaciável verdugo de si mesmo. O
verdadeiro amor sofre por não poder mais. (Ângelo Monteiro, O ignorado,
IV, pp. 47-48)
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